quinta-feira, novembro 09, 2006

And so it is... O derradeiro depoimento :-)


Depois de 15 meses, este ano, q alguns chamariam de sabatico, findou.

Londres, Portugal e minha terceira passagem pela Espanha mereciam um email a parte, o que sera injustamente resumido em alguns paragrafos devido a escassez de tempo e de Internet nestes ultimos dias.

Em Londres, poucas belezas naturais e muitas belezas culturais. Multiculturalismo total, otimos museus, musicais e pecas de teatro abundantes. Fica a mencao especial ao Fantasma da Opera (ao qual pude assistir sem saber que era a noite do 20 aniversario do musical hehe), as joias da Coroa Inglesa, a imponencia do predio do Parlamento e a Tower Bridge a noite.
De Portugal, expectativas superadas. Senti-me em casa evidentemente por todas semelhancas fisicas entre brasileiros e portugueses e por « turistar » pela primeira vez num pais que fala minha lingua. Ou quase isto… « O comboi estah a dar entrada na estacao » em vez de « o trem estah chegando », « Percebes ? » em vez de « entende » e « sumo » no lugar de « suco » sem ser exaustivo quanto as diferencas, que ainda incluem omeleta, lavandaria, cafetaria e joalharia. E o sotaque eh uma mistura agradavel (ou seria jah um pouco de nostalgia do Brasil de minha parte ?) de catarina com carioca falando rapido, sendo q a maioria deles realmente coloca um « e » nos final do infinitivo dos verbos : falare, comere, jogare, bebere, etc. Quanto as pessoas, somente elogios. Simpaticas e divertidas e quando percebiam q eu nao havia entendido seu sotaque, riam da situacao e repetiam. Outra coisa legal foi descobrir a origem de alguns de nossos habitos : pendurar roupa na varanda externa da casa, a maneira como se dah carinho as criancas, os doces (ah os pasteis de belem ficarao gravados por um bom tempo em minha memoria gustativa!) e os butecos. Ainda nao descobri, porem, nosso habito covarde de nao respeitar a faixa de seguranca dos pedestres…Ah, e o vinho do Porto tem seu valor.

Algumas fotos de tudo isto podem ser vistas em: http://fr.pg.photos.yahoo.com/ph/andre_dubresil/album?.dir=/
fee0re2&.src=ph&.tok=ph_8ayFBiDbTwK7

Mas nao escapemos da dificil tarefa de escrever este ultimo email.
Dificil nao somente pela carga emocional, mas pela dificuldade de escolher (garimpar, na verdade) o conteudo...
Passar um tempo no exterior nao é indispensavel para a felicidade de todo ser humano, mas tambem seria hipocrisia neglicenciar o valor de todas as experiencias existenciais, sentimentais, sociais e fisicas deste periodo, no minimo, particular. Foram alguns (ou varios, dependendo do ponto de vista) paises e gente simplesmente de todo canto do mundo, com destaque para amigos de paises virtualmente inexistentes (espero q eles nunca leiam este email) como Botswana, Guine Equatorial e Mauritania.
Tao bom qto viajar pra « fora » foi viajar para « dentro ». Percebi que algumas pessoas sao mais importantes pra mim do que imaginava (e que bom ver que algumas gostam mais de mim do que eu pensava!) e o processo de descoberta inverso foi inevitavel: algumas coisas e pessoas deixaram de fazer sentido...Tambem tive certeza de que nao sou pao-duro! Se durante um ano pessoas novas nunca sequer mencionaram tal caracteristica, é porque evolui :-). Passei a gostar de atum (nao disse q passou a ser meu prato favorito) e de caqui.
Alem disto, a sensaçao de que o mundo ficou menor. Que a melhor maneira de aprender algo numa conversa eh, por vezes, inicia-la de verdade sem uma opiniao formada. E o que mais dificil na vida é deixar de ser quem você pensa que é, tirar quem os outros pensam que você eh, largar os sonhos que foram introjetados em você, esquecer o que você pensa que os outros pensam de você e ser apenas você. E que para ser feliz precisamos conservar um elemento essencial: a inocencia. Eh ela e somente ela que nos permite (re)amar, (re)aprender, (re)sorrir, (re)acreditar e (re)construir.
Tambem percebi que a unica pessoa normal no mundo sou eu hahahaha. De que os negros têm a mesma ginga, nao importa o pais onde eles estao. Que pombas, magal e patricinha tem em todos cantos do mundo, soh muda a forma, mas conteudo permanece identico. Que Paris eh realmente incrivel, mas que toda cidade tem seu charme. Que a sensacao de estar em alguns lugares simplesmente nao cabe nas fotos. Vc tira, tira, tira, e depois se pergunta porque tem tanta foto igual.
De certo, sentirei falta de muitas coisas daqui: de falar francês; de andar por « Streets that have no name » e de ser anonimo; de atravessar a rua na faixa de pedestres (certo que vou tomar uns buzinaços no Brasil) e de nao saber para qual lado olhar em Londres; de caminhar no parque de noite despreocupadamente; de ficar no meu quarto sozinho ouvindo musica e, quando eu gostava muito dela, dançar; do iogurte de cereja da Franca e do iogurte Fruit Corner de Londres; de descobrir algo novo de outra cultura quase todos os dias e, ao comparar com a nossa, ter uma visao diferente sobre nossos valores de brasileiros. Meu amigo Amyr Klink (amigo de espirito hehe) me ajudou ao dizer:

"Hoje entendo bem meu pai. Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livro ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar do calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece, para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como imaginamos e não simplesmente como ele é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver".

Prova do eterno paradoxo humano eh que nao sentirei falta das mesmas coisas: as vezes, o q mais queria era falar apenas minha lingua, encontrar gente conhecida na rua, conviver com gente mais parecida, de nao ficar no meu quarto sozinho (notem que o iogurte de cereja permaneceu intacto :-)).
Tempo pra pensar nao faltou (chegou até a dar medo de tantos pensamentos!). Entre eles, o de perceber que o grande mistério da humanidade é o proprio homem. Um homem individualmente genial e coletivamente um idiota. Uma sociedade onde as escolas ensinam tudo ao homem, menos a se conhecer. Tambem ensinam a competir e raramente ensinam a cooperar. Universidades de Guerra existem aos milhares, mas alguem jah ouviu falar de Universidades da Paz?
Tenho varios anos de vida pela frente (pelo menos eh o que as estatisticas dizem), mas quero desperdicar o menos possivel com gente «de plastico», que nao fala de suas fraquezas, que conta seu sucesso pelo numero de cartoes de visita distribuidos, que fala de etica e nao a pratica, que usa a fraqueza e a ignorancia dos outros para se sobressair. Para estes, apenas o tempo necessario de nao ser indelicado.

Mas falemos de coisas menos enfadonhas...
As saudades sao muitas e de coisas q eu nem mesmo sei (estes dias eu fiquei com saudades de polenta:-)). Mas foi preciso saber queimar na propria chama... Precisamos viver nossos sonhos para eles nos deixarem viver. Precisamos ser um dia livres pra finalmente escolhermos nossa prisao.
Finalmente, meus três ultimos pontos, pedidos ou suplicas, como quiserem.
Se em meu retorno, no apice da crueldade inocente e inconsciente que habita todo ser humano vocês tiverem uma vontade enorme de perguntar o que vou fazer agora no Brasil, controlem-se hehe. Talvez pela primeira vez na vida nao tenha claro o que quero e, estranhamente, até agora isto nao me angustia. Espero que vocês me compreendam e continuem a gostar de mim mesmo assim :-).
Outra pergunta bastante provavel e nao menos cruel sera: Eh aih André, valeu a pena ?
Bom, eh, ham...Nao dah pra tomar uma Kaiser antes?
Em resumo, eh obvio q sim. Lamento nao ter visto meu irmao se casar e o outro se formar (tive q sair do Brasil pra isto acontecer hahaha), mas valeu sim. Valeu pelos conhecimentos culturais, profissionais e sobretudo pessoais, pois afinal eh a pessoa que estah por tras de um profissional, nao? Valeu porque o mais importante, no final das contas, eh se tornar um velhinho legal com historias para contar e memorias para lhe acompanhar. E este ano certamente aumentou minhas chances de me tornar um velhinho gente fina assim…

PS: Minha passagem diz q eu chegarei dia 15 de novembro, as 9:30 no Salgado Filho. Minha
intencao eh ir direto para uma churrascaria. Todos estao convidadissimos ;-).

Beijos a todos, meus queridos amigos e familia.
Andre F. Maciel