terça-feira, fevereiro 03, 2009

Outras terras de gaúchos: relatos sobre a Argentina e o Uruguai



Não sou o Zeca Camargo, mas sempre se encontra um jeito de dar uma voltinha por aí de vez em quando, não é mesmo? Então, malas mais uma vez fora do armário e lá fomos (Sibele, eu, Quick e Fernanda) aos destinos escolhidos para as férias de 2009: Uruguai e Argentina.
Para quem já teve oportunidade de ler sobre as outras viagens, sabe que o esquema é sempre ao estilo do que chamo de “turismo vivencial”. No turismo vivencial, você não fica dentro do ônibus ou da van olhando tudo pela janela, com um guia dizendo o tempo todo aonde ir, a hora de ir e a de voltar. Você é o seu guia. Se você gostou do lugar e quer passar mais tempo ou voltar no dia seguinte, você faz. Se quer tomar uma cerveja e ver o pôr-do-sol, é só arranjar um bar e um lugar. Se não gostou do programa, você pode ir embora. É você que estuda a cidade, define o roteiro, elege lugares de interesse, descobre como ir e, mesmo se não souber muito bem, você “mete ospeito” e vai. Dá mais trabalho? Não tenho dúvida. Você aprende mais? Tenho menos dúvida ainda. Você se aproxima da vida do nativo. Pega ônibus como ele, pega metrô como ele, sua com ele, se esfrega nele, reclama com ele, pede informação pra ele, caminha pelas mesmas ruas que ele. No turismo vivencial, você se distancia mais rápido do estado de “ouvir dizer” e passa-se ao estado de ver, fazer, provar, errar, consertar, não entender, se perder, se achar, esbravejar, rir. E assim vai descobrindo a realidade do local. Descobre que nem toda parrijada no Uruguai e na Argentina é boa - o mesmo para os vinhos. Descobre que Carlos Gardel não era argentino, que existem alfajores de nozes, que carne barata e boa só no Brasil mesmo, que o corpo da Evita foi seqüestrado e que - os argentinos que não me ouçam - talvez não seja o corpo dela que está lá no cemitério da Recoleta. Você descobre também que o vizinhos do Prata sempre cobram os tais “cobiertos” nos restaurantes, uns pães e manteiga servidos antes da refeição como escusa para te arrancarem mais uns pilas (nem preciso dizer que este último costume me levou a fazer alguns inimigos hispano-hablantes a mais na vida).
Em Montevidéu, por exemplo, descobrimos que existe praia, um povo amigável, um centro bem ajeitadinho e bocaditos (uma guloseima à base de chocolate e doce de leite, com um leve toque de rum, que não é alfajor) viciantes. Comprovamos que é uma cidade em reconstrução do seu próprio patrimônio, com prédios antigos oscilando do excelentemente ao pessimamente conservado, com destaque positivo ao Teatro Solis. Experimentamos também um mercado público cheio de astral e com um calor infernal, já que a cada 2 metros tinha um tio destilando suor enquanto assava uns pedaços de carne na brasa. Tivemos a oportunidade também de assistir a um (muito agradável) pôr-do-sol no mar, fato inesperado já que a cidade é beirada pelo Atlântico (se você nunca se deu conta, normalmente vemos apenas o nascer do sol no Atlântico).
Falando em oceano, vamos a Punta, primeira parada cronológica da viagem depois de 10 horas de ônibus. Punta, ah, Punta (suspiros). Claro que muito da grana que rola por lá deve estar relacionada com o fato de o Uruguai ser um paraíso fiscal, mas, como não sou eu (provavelmente nem você :-)) que vai resolver isso, o negócio era aproveitar os belos recantos e encantos da praia de águas mais frias (só leão e lobo marinho pra entrar naquele mar) que já visitei. Arriscaria dizer que, entre janeiro e março, Punta é a cidade com maior renda per capita da América do Sul. Aquela faixa de terra é um “luãxo” só. Todos são lindos, vitaminados, ricos, elegantes e bronzeados. O mais branco lá era eu (o Quick não conta, que é albino).
Em Punta, como já se esperava, tudo tinha preços especia... especialmente formulados para turista europeu, mas também não foi nada que tirasse o charme daquela península. A parte imobiliária é (sem exageros nem viadagens de arquiteto) sensacional. É de entrar em depressão com tanta “chinelagem”. Mansões se combinam ao longo de terrenos sem cerca, todas encravadas em jardins deslumbrantes cuja grama é mais verde do que a casa de campo da família real inglesa; prédios todos envidraçados - com empregadas suando pra deixar tudo sempre brilhando - se projetam em direção ao sol, sendo alguns deles, conforme reza a lenda, construídos com vidros de raiban para filtrar a entrada de luz (isso mesmo seu chinelão, construídos com o vidro daqueles óculos pelos quais você já deu uma bela suada pra comprar e que te dão um infarto quando você os deixa cair no chão). É, pobreza dá nojo mesmo. Cidade limpa, bonita, com boas opções de lazer. Agora, entre todas as belezas do lugar, a imagem que ficará - desculpando-me de antemão com os porto-alegrenses mais emotivos pelo Guaíba – é o entardecer na Casa Pueblo, que é algo simplesmente hipnotizante. Entende-se porque o tal do Villaró escolheu aquela ponta de terra para construir a casa.
Saindo de Punta e Montevidéu, outra cidade uruguaia no roteiro chamava-se Colônia do Sacramento. A chegada foi trágica. Metade do Rio da Prata caiu das nuvens naquela noite e, pra melhorar, faltou luz na chegada ao hotel. Foi o meu primeiro check-in baseado 100% no “fio do bigode”. Como não tinha luz, o amigão da recepção não tinha como ver as reservas no sistema (nem a nossa cara), então apenas tateou as chaves e nos levou ao quarto com uma lanterninha. Quando já estávamos conformados em passar a noite à base de bolacha e bocaditos (ninguém ia morrer hehe), ela – a luz - voltou e descobrimos uma cidade bastante animada à noite. Aliás, tinha até uma mini-bateria de escola de samba no meio da rua principal, já que, pasmem, o Uruguai tem uma forte influência do candomblé e um Carnaval bastante tradicional. Pasmem ainda mais, o país vizinho tenta requerer o título de Carnaval mais longo do mundo (1 mês de duração). Se alguém quiser levar uns uruguaios ao Nordeste, acho que faria um favor à construção da identidade nacional deles.
Mas, voltando à bela cidade de Colônia, para quem colou na prova de historia, ela é aquela cidade que ficou em disputa desde o Tratado de Tordesilhas (este você deve ter alguma noção do que seja) até 1700 e poucos. Espanhóis e Portugueses se digladiavam para controlar este vilarejo na “boca” do Prata, a qual dava acesso às cargas legais e ilegais que saiam do meio do continente. Resultado disso? Além de muitos mortos, uma cidadezinha fortificada e bem conservada até os tempos atuais, cheia de casas seculares (algumas delas, mesmo na área tombada pela UNESCO, infelizmente à venda para qualquer interessado), restaurantes, lojinhas e pousadas de valor. É um daqueles vilarejos (ou “pueblos”, como dizem os uruguaios) onde o tempo passa docemente, como em toda cidade do interior que se preze. Enfim, Colônia é uma cidade para se passar não mais do que um dia, mas que dia!
A parada seguinte foi Buenos Aires, destino atingido de barco. Não era bem um barco no sentido mais tradicional do termo, mas uma baita lancha chamada de Buquebus, que tem capacidade para levar umas 150 pessoas entre Uruguai e Argentina. Não pergunte se a viagem pelo Prata é bonita, por que não deu pra ver. O diabo – isto mesmo, a besta do número 666 – parece que resolver bufar naquele dia e a viagem foi pouco prazerosa. Nestas horas, tendemos a confiar no bom senso e na experiência dos tripulantes, mas a verdade é que o tal lanchão parecia que ia sair voando em vez de navegando. Durante a viagem, aquela pose de “tudo tranqüilo”, claro, mas o "bixo" estava pegando e teve gente passando a viagem de olho fechado (ou no banheiro) para não ver quando a lancha descolava da água devido ao mar revirado (mexido é o ovo).
Uma vez em Buenos Aires, Deus seja louvado, afinal estes momentos sempre fazem crescer nossa religiosidade, tudo na paz. A cidadezinha tem coisa pra fazer, viu? Andar pela Recoleta, comer alfajor preto, caminhar pelo Puerto Madero, comer empanada, ir a um showzinho de Tango, pegar água de graça na bica, perambular pela Florida e pela Corrientes, comer alfajor de nozes, visitar o Caminito e o estádio do Boca, peruar pelas Galerias Pacifico (shopping ultra-mega-extra-plus-over-sofisticado), comer alfajor branco. Tem também o Obelisco e a Avenida 9 de Julio, dita a mais larga do mundo (tem 14 pistas). Fomos também à mais famosa filial da rede de livrarias “El Atheneo”, construída com muito bom gosto dentro de um antigo teatro porteño. Não esqueçamos do Café Tortoni, declarado oficialmente local de interesse turísticos, por seu estilo arquitetônico, seus pilares e suas mesinhas em mármore, seus garçons de carreira e seus 150 anos recepcionando e servindo grandes personalidades argentinas como ex-presidentes e o escritor Borges. Tem também a imponente arquitetura ao estilo Paris presente em inúmeros edifícios – na maioria bem conservados - ao longo de toda Buenos Aires. Mencionemos, por último, a Plaza de Mayo com seu ar solene e oficial, cercada pela catedral, pela Casa Rosada e por outros prédios antigos e importantes.
Para você (nem eu) se perder, na ordem: Punta, Montevidéu, Colônia, Buenos Aires e Porto Alegre. E assim se passaram mais 10 dias circulando por mais dois de nossos vizinhos sul-americanos (com hífen ou sem com a nova regra?). Pra finalizar: o maior mico? A Fernanda - dentro do museu de historia nacional do Uruguai, enquanto a guia iluminava nossa ignorância sobre a independência do país - se debruçando nos ombrinhos de um gringo. Outro macaquinho? Bater foto naqueles painéis – aqueles em que você só coloca a cabeça no corpo de um personagem - achando que é de graça quando percebe um argentino gritando “5 pesos la foto”. O momento inesperado? Os 4 viajantes andando de carrinho de golfe pelo centro de Colônia. O troféu “maloca”? Sibele e eu, comendo pouco no café da manhã e caminhando quase 30 minutos até chegar a um restaurante do Puerto Madero onde íamos almoçar, tudo para fazer valer os pesos pagos. Sentamos nossas magras nádegas às 13h e levantamos nossos gordos traseiros quase 3 horas depois, deixando o valor exato da conta na mesa enquanto o garçom tentava nos explicar que o serviço era à parte. Fazer o quê? Se ele quer ganhar bem, ele que vá para Punta :-).

Com orçamento pequeno, médio ou grande, até a próxima! Seguuuuuuuuura Zeca Camargo!