quarta-feira, junho 20, 2012

Férias no Brasil


Manhã de 11 de maio de 2012. Sentado - enquanto espero Sibele lavar o rosto no banheiro e calculo o melhor momento de passar pela segurança do aeroporto e restringir pelas próximas horas minha existência a uma cafeteria, uma livraria e um banheiro - observo um homem negro, com 1,80 m de altura e uns 15 quilos acima do peso. Ele tem aquela pele lustrosa que denuncia uma relação distante com a acne e uma relação íntima com o sol tropical. Trajando aquele uniforme da polícia carioca que não é nem cinza nem azul com a respetiva boina, ele se aproxima da área de acesso restrito do embarque com a ginga preguiçosa e ritmada do Trapalhão Muçum. Se trocasse a farda por uma sunga, o caminhar seria o mesmo. Desengata a faixa elástica daqueles bastões de alumínio que orientam as filas de banco e de aeroporto, passa para a tal área restrita e recoloca a faixa. Ele puxa uma banqueta para sua frente e a coloca naquela posição “sexy-agressiva”, com o encosto voltado pra frente, como só strippers, cowboys e interrogadores do FBI fazem. Depois de sacudir levemente a cadeira para testar sua estabilidade, ele inclina seu tronco para frente e se debruça sobre o encosto, cruzando os antebraços em direção ao chão, soltos no ar. Então ele, que talvez por um acaso da vida tenha virado policial, pega um walk-talk do cinto com aquela confiança de quem tem a vida ganha, ajeita sua calça (que mais parece uma roupa de cantor sertanejo ignorante - aquele que não é universitário) para acomodar suas joias familiares e fala ao aparelhinho preto: E aí banzé, comé que tá as coisa aí embaixo?

Foi assim que percebi que, dessa vez, depois de quase dois anos fora, o destino de viagem a ser observado era a pátria amada, terra gentil. Figuraça esse lugar, onde se assume que todos estão sempre loucos pra comer carne vermelha (ai que dó dos vegetarianos) e chamam de salada um prato de batata picada com maionese. Lugar onde as pessoas raramente transgridem o padrão de roupas ditado pela moda ou pela tradição, onde menininhas pintam unhas de rosa e aquelas que já se sentem mulheres pintam de vermelho. Lugar onde novelas ocupam quase 7 horas da programação diária da Globo (sem contar o Video Show) e a TV serve como trilha sonora das noites da família brasileira.  Quando não é a novela, é um jogo de futebol ou o DVD de algum show que acompanha a multi-tarefa contínua do brasileiro de tocar a vida enquanto ouve TV. Terra onde obras privadas avançam espantosamente (o que é aquela Arena do Grêmio em Porto Alegre?!) e as públicas só ficam prontas quando não satisfazem mais às necessidades às quais se propunham. Terra onde nem sempre se tira o notebook da mala antes de passar pelo raio-x no aeroporto e onde a paranoia por segurança não é tão grande, talvez porque a violência permeie tantas áreas que controlá-la apenas no aeroporto, lugar habitualmente frequentado pela classe não violenta, seria ofensivamente irônico. Lugar onde se abraça e se beija estranhos na face, mas onde faixas de segurança são invisíveis e sinais amarelo de trânsito parecem dizer “acelera para não parar no vermelho, seu mané”. Lugar onde algumas coisas são tão caras (exceto pelo Seu João, sapateiro de Taquara que cobra R$2 para pintar meticulosamente um par de sapatos, R$10 para trocar forro de cadeira de praia, e para quem preço com centavos é coisa de fresco) que uma das principais motivações para se viajar são as compras. No aeroporto de Miami, o traje típico de viagem de um brasileiro retornando ao Brasil é um tênis Nike reluzente com algum detalhe laranja, um relógio de pulso maior que um relógio de bolso e uma camiseta pólo Tommy Hilfilger ainda com cheiro de nova.

O Brasil é também onde está aquele pedaço fronteiriço de chão chamado Rio Grande onde, como é típico de fronteiras, a permeação cultural desafia a artificial divisão geográfica entre países. Um lugar que tem uma serra verdinha, uma umidade da qual até lesma quer fugir e cujo povo tem o hábito de compartilhar um chá quente dentro de um recipiente amadeirado que é a caneca mais máscula e ao mesmo tempo fresca que um chá poderia ter.  Terra onde metade das mulheres entre 16 e 40 anos faz luzes no cabelo (números informalmente coletados por mim mesmo numa tarde no Shopping Iguatemi de Porto Alegre) e onde dois terços das mulheres acima dos 60 anos escondem os fios grisalhos com algum tom entre o cobre e o caju.  Lugar onde se almoça ao meio-dia e, sempre que possível, toma-se um delicioso café da tarde com cuca, salame, cacetinho e requeijão.  Terra onde os gordinhos se orgulham de suas panças recheada de picanha e Polar e usam camisetas bem grudadas que deixam o umbigo em alto relevo, onde o pessoal não hesita em acender um fogo e assar um bicho para ofertar ao visitante (tivemos uma incrível média de 2 churrascos por semana). Lá no Rio Grande, a pessoa que não gosta de churrasco é porque nunca provou um bom de verdade!


O Rio Grande também é a terra onde mamãe e titia prepararam uma festinha de 33 anos (!) com direito a branquinho, “negrinho”, salgadinhos e bolo. Agora sou mais velho do que maioria dos jogadores de futebol e comissários de bordo de voos domésticos. Foi lá no Rio Grande onde pela primeira vez uma criança me pediu colo (uma das sobrinhas rsrsrs) e onde o redemoinho de uma sobrinha e o olhar da outra me fizeram sentir como se estivesse brincando com uma versão animada dos meus irmãos que só havia visto nos álbuns de família.

Assim foram as férias no Brasil, período em que respondi 45 vezes as perguntas “Onde vocês estão mesmo?”, “Como é o tempo lá?”, ”E o churrasco?” e “Quanto tempo mais vocês ficam lá?” dizendo, com algumas variações em função da intimidade, nível alcoólico, e senso de humor do ouvinte, que “Estamos em Tucson, o mesmo nome da camionete”, “O verão é terrível até para os lagartos, mas as outras estações são ótimas”, “Churrasco é muuuuito bom, mas existe vida além do espeto” e “Sinceramente, não sabemos.” Lidar com ambiguidade, aliás, não é fácil, já que nunca fomos elogiados por responder “não sei”. Mas, a vida fica menos angustiante se a gente se acostuma com a ideia de que a incerteza é parte das principais escolhas que fazemos.

Forte abraço aos que encontrei, aos que não consegui encontrar, e que todos os santos ajudem o policial fã do Muçum e seus amigos a dar conta dos turistas estrangeiros que em breve nos visitarão.


7 comentários:

Sibele disse...

Muito bom tchê :)
Beijocas e te amo!

Nique disse...

Que tal?
Até parece um paisano agauchado!
Há braços
Nique

Hermano Mota disse...

Grande André.
Parabéns pelo post. No impacto da volta, mesmo que por pouco tempo, depois de dois anos fora, a gente olha pra nossa terra com outros olhos, melhores.

Abração!

Hermano

Unknown disse...

Fenomenal! Adorei. Beijos "titio Andrew". Hehe

Unknown disse...

Mas eu conheço está foto, "a cuia mais bonita, lembra Si" rsrsrs

Post fabuloso como sempre, parabéns querido!

Bom retorno a Tucson (a camionete).
Beijos!!

Anônimo disse...

Hahahahahahaha!!!! Muito bom teu relato, Maciel, adorei!

Beijão

LuRodrigues, a única gaúcha que se nega a fazer luzes no cabelo.

Sica disse...

"... a vida fica menos angustiante se a gente se acostuma com a ideia de que a incerteza é parte das principais escolhas que fazemos"

Mestre.